Tem duas músicas que estão entre as minhas prediletas. Elas foram escritas pelo Paulinho Moska: “O último dia” e “A seta e o alvo”. Basicamente dizem a mesma coisa: Carpe Diem (aproveite o dia!)[Lembra do Robin Williams em “Sociedade dos Poetas Mortos”?]. É mais ou menos por aí.
Durante semanas pensei em escrever um texto sobre morte. Imaginei muitas coisas para falar, mas nada efetivamente me empolgou a ponto de registrar neste espaço. Também pensei que, por causa de algumas mortes trágicas em Patrocínio nas últimas semanas, poderia ser oportunismo ou que eu não seria capaz de reconfortar alguém.
E quem sou eu para reconfortar alguém com relação a esse assunto? Um João-Ninguém, um zero-à-esquerda. Não, não estou apto a prestar muita solidariedade. Para falar a verdade, ninguém está, pelo simples motivo de existirem mistérios “do outro lado”.Prá mim é dificílimo visitar alguém que acabou de perder uma pessoa que ama, simplesmente por não saber o que dizer. Parece que não saem da minha boca palavras como “meus sentimentos”, “meus pêsames”, etc. Soa como conta-gota no oceano pela nossa insuficiência para consolar alguém diante de tamanha perda.
Minha mulher é uma dessas pessoas que não se conformam com a morte. Ela fica se perguntando os “por quês” disso, pensando que poderia ser diferente, não tão traumático assim. Mas eu a entendo: afinal, o medo da morte está com o ser humano desde que percebeu que era diferente dos animais. Por causa desse medo, surgiram tantos rituais no decorrer das civilizações.
No fundo, no fundo, acho que o pior mesmo é para quem fica. Esse desconhecimento do que virá é que gera tanto pavor. Nossos temores transbordam a alma pelo desconhecer, por não sabermos se nos encontraremos novamente, se nos conheceremos, se veremos velhos e novos amigos, se perpetuaremos no além nossos amores, se odiaremos quem odiamos. E se não houver “um outro lado”?
Tenho certeza que existe. Por ser cristão convicto, acredito piamente na continuação da vida. Mas as questões acima nos afligem. Além do mais, aquela visão bucólica do paraíso me enerva: a água correndo devagar, os pássaros em harmonia com a vegetação, flores, grama. Credo! Essa monotonia não é comigo...
Por outro lado, tem o risco de pegarmos o outro elevador e irmos lá para baixo. Se for como dizem, lá a coisa é bem mais quente. Mas para lá não quero ir nem amarrado!Brincadeiras à parte, não acredito nessa configuração infernal, de um demônio chefão enfiando um tridente na nossa bunda e rindo de nós andando sobre brasas. Acho que o sono eterno, o nada absoluto, a escuridão inexorável é que é o inferno. Eu quero continuar...
Aflige a gente ficar imaginando que não veremos mais filhos, pai, mãe, avós, irmãos, sobrinhos, netos, amigos, inimigos, desconhecidos, amores, desamores. Quantas perguntas, quantas respostas inatingíveis.
O que resta é ficarmos divagando sobre o que há de vir, tentar imaginar o melhor acontecendo e torcer para estarmos ao lado de quem amamos o máximo com a maior qualidade de relacionamento possível. Resta-nos orar e pedir para continuarmos por aqui, pelo menos mais um pouquinho.
Voltando às músicas, voltou a escrever o que já coloquei aqui algumas vezes. Detesto ficar dando sugestão de como cada um vai levar sua vida. Cada um escolhe o que fazer, que regras seguir, desde que não prejudique o outro. Mas quero a plenitude da vida para mim. E essas canções exprimem mais ou menos isso.
A Seta e o Alvo diz: “Eu falo de amor à vida, você de medo da morte / Eu falo da força do acaso e você, de azar ou sorte / Eu ando num labirinto e você, numa estrada em linha reta / Te chamo pra festa mas você só quer atingir sua meta / Eu lanço minha alma no espaço, você pisa os pés na terra. / Eu experimento o futuro e você só lamenta não ser o que era”.
Mais brilhante ainda, O Último dia pergunta: “Meu amor / O que você faria se só te restasse um dia? / Se o mundo fosse acabar / Ia manter sua agenda de almoço, hora, apatia? / Ou esperar os seus amigos / Na sua sala vazia? / Corria prum shopping center / Ou para uma academia? / Pra se esquecer que não dá tempo / Pro tempo que já se perdia? / O que você faria se só te restasse esse dia?
Ouçam/Leiam essas músicas completamente. Nada a acrescentar.
Artigo publicado na edição 107 do Jornal Patrocínio Hoje em 20/04/06
Ótimo texto, André!
ResponderExcluirExcelente reflexão!!