sábado, 10 de julho de 2010

Baixinho invocado


Conta a lenda que todo baixinho é invocado. Também pudera, desde sempre – e em especial na escola – sofre com todo tipo de gozações. Além disso, todo mundo quer crescer pra cima do baixinho imaginando que ele não tem tamanho suficiente e, a qualquer tempo, pode tomar um sopapo.

Num cenário comicamente hostil como esse, o baixinho tem mais é que ser invocado mesmo. Ele usa dessa braveza como um instinto de defesa, lógico. Já fica ouriçado com qualquer situação, como quem diz: “Num mexe comigo que é ruim pra você”.

Mas, para falar a verdade, imagino que o baixinho sofre muito. Além dos já citados problemas na infância, na adolescência já vem aquele complexo de inferioridade. Afinal de contas, mulher adora dar como exemplo de beleza “aquele loiro alto” ou “você viu o tamanho do negão?”. Ou você já ouviu uma delas falar: “Hum, como é lindo aquele tampinha...”. Difícil.

Bem, embromei três parágrafos para ficar imaginando o baixinho Zaqueu. Penso que ele, mesmo mais de dois mil anos atrás, era o típico “baixinho invocado”. Ele tinha retaguarda para isso: era chefe dos publicanos (os odiados coletores de impostos do Império Romano, sinônimo dos fiscais da Receita Federal de hoje) e era rico.

Só que, conta o capítulo 19 do Evangelho de Lucas, ia passando Jesus, entrando em Jericó. E aí, meu amigo, ninguém queria nem saber quem era rico, pobre ou baixinho invocado. Era cada um por si. Todos queriam ver, conversar e/ou tocar em Jesus. Afinal, Cristo, por tudo que andava fazendo, já estava se tornando uma mega celebridade.

Não fui eu que inventei isso. Ta lá escrito, em Lucas, que havia uma multidão atrás de Jesus. “E (Zaqueu) procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura”. Quer dizer, todo mundo se acotovelando para ver o Mestre passar, faltou só pisotearem nosso baixinho.

Só que baixinho que é baixinho não desiste e me esqueci de citar uma de suas qualidades: a criatividade. “E, correndo adiante, subiu a um sicômoro bravo para o ver; porque havia de passar por ali. E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa”, conta Lucas.

Bom, o que mais me traz curiosidade nessa passagem é o que de tão diferente viu Zaqueu quando subiu o sicômoro (um tipo de figueira). Algo mexeu profundamente com ele, se imaginarmos que era judeu (uma religião ortodoxa) e publicano (cobrador de impostos).

Deve ter sido algo muito forte. Jesus, mesmo criticado, foi à casa de Zaqueu e este decidiu dar aos pobres metade de seus bens e ainda ressarcir quatro vezes mais as pessoas que ele tivera lesado – que, imagino, seria muita gente. Para um judeu publicano tomar uma atitude dessas, algo extraordinário deve ter mexido com a cabeça dele.

Se deu bem nosso baixinho Zaqueu. E nem precisou ficar invocado.

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