quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Polícia não deveria ser notícia


Minha primeira experiência no jornalismo foi bastante inusitada. Meu pai ainda tinha a saudosa Revista Presença. Eu devia ter uns 14 anos e minha timidez exacerbada na época não me permitia falar pra ele que queria escrever um artigo – por melhor ou pior que fosse.

Aí sabe quando no desenho animado aparece aquela lampadinha sobre a cabeça do personagem: ideia!!! Na máquina de escrever debutei nas páginas de Presença e nesse vício que é fazer jornalismo. Deixei o texto ali, bem visível para que meu pai pudesse ver e... não deu outra! Ele colocou na edição seguinte da revista e de lá para cá não parei mais. Não me lembro o tema, vou até procurar essa revista nos arquivos...

Bom, escrevi esses dois parágrafos para dizer que fazer jornalismo é muito bom, mas que em nada me atrai o noticiário policial. Essa parte para mim é uma tortura diária. A cada resumão dos fatos do dia anterior dá aquela ânsia terrível por conhecer a que ponto de mazelas chega o ser humano – facadas, tiros, agressões e por aí vai. Infelizmente, nem tudo são flores e esses são ossos do ofício que não tenho como fugir.

O pior de divulgar notícias policiais não é nem saber do que o ser humano é capaz. É saber como existe gente que adora tais notícias. Não é nem uma crítica, mas a constatação de que as pessoas de maneira geral amam tragédias. É assim desde Caim e Abel – aliás uma das mais famosas histórias da Bíblia, o que é sintomático.

Gostaria até de conhecer estudos psicológicos mais aprofundados sobre o tema, sobre como até inconscientemente a tragédia atrai as pessoas. Parece existir um desejo animal dentro de nós, um prazer na desgraça alheia. Isso faz realmente sucesso, vide as arenas romanas em que os gladiadores se matavam ou os cativos eram estraçalhados por leões famintos.

Essas arenas existem até hoje. Basta ligar a TV e assistir a esses terríveis programas de final de tarde que só trazem a barbárie. Se não houvesse audiência, não haveria esses programas. O SBT fez o cúmulo de lançar um programa que se chama “Boletim de Ocorrências”. O sangue escorre mais pela tela do que em filmes do Jason.

Até jornais não exclusivos de temas policiais, como o próprio Jornal Nacional, não me atraem mais. É o supra-sumo da má notícia. Extrair coisas legais é uma dificuldade. Num país desse tamanho, o que interessa num programa de rede nacional falar de um seqüestro em São Paulo? Ou de um assalto no Tocantins?

Pelo menos uma atitude tomei já há um bom tempo nos locais onde trabalho: não divulgar os nomes das pessoas envolvidas em ocorrências policiais. O rádio, o jornal, a TV, a internet ou o que seja não podem funcionar como tribunais de inquisição. Quem vai julgar é a Justiça. E depois de divulgado o nome de uma pessoa nos meios de comunicação, o estrago já está feito. As pessoas são pré-julgadas.

Sonho chegar a um ponto que não existirá mais noticiário policial simplesmente porque não haverá mais ocorrências. Que a violência tenha chegado ao fim porque as crianças serão bem cuidadas e crescerão bem educadas. Que a diferença social tenha sido extinta. Que todos tenham direito a boa alimentação, saúde, lazer e cultura. Que as estradas sejam bem cuidadas, que as cidades sejam bem sinalizadas e as pessoas respeitem o trânsito, resultando no fim dos acidentes.

Sei que tudo isso hoje é utopia. Só que aí queria ver qual seria a pauta dos programas de televisão. Finalmente o bem seria maior que o mau.
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Duas histórias, dois exemplos


Duas histórias que foram exibidas pela televisão nos últimos dias me chamaram muito a atenção e me fizeram refletir sobre algumas coisas da vida. Nos dois casos, foram ao ar pela Rede Globo – uma no Caldeirão do Huck e outra no Fantástico: Raimunda e Crystal.

Luciano Huck andava pelas ruas do Rio de Janeiro fazendo o quadro Vou de Táxi quando numa esquina qualquer Raimunda entrou no carro. Pouco mais de 30 anos, Raimunda já tem três filhos, sendo a mais velha uma adolescente de 16 anos.

Como milhões de brasileiros, Raimunda – abandonada pelo pai das crianças – vive muitas dificuldades na vida. Morava numa favela (Santa Marta), ganhava R$ 300 por mês, vivia num barraco minúsculo, úmido, caindo em cima dela e dos filhos. Estou escrevendo no passado porque Huck, emocionado com a vida de Raimunda, fez com ela também o Lar Doce Lar e fizeram um sobrado espetacular se comparado com antes e se comparado com os outros barracos do morro.

O momento mais emocionante foi quando Raimunda contou que quando sua filha era ainda criança, tinha que comprar leite condensado e dissolver porque não tinha como comprar o leite diariamente. E que às vezes pedia 50 centavos para comprar o pão para a filha e ficava sem comer.

Ficou nítido que Luciano Huck quase não conseguiu acabar o quadro porque a história “acabou com ele”. Apesar de sabermos das dificuldades de um sem número de brasileiros, ver cara a cara o drama das pessoas não é fácil para quem tem um mínimo de coração.

Mas, o que mais impressionou foi que apesar da vida dura, Raimunda é uma pessoa sorridente, que não faz das dificuldades melancolia. E, o principal: não é porque tem todos os problemas do mundo (inclusive de saúde, depois de cair na escada de casa) deixou de ser honesta e de lutar pelos seus sonhos – o principal conseguir estudar os filhos. Um exemplo.

Já Crystal beira ao inacreditável. Ver a capixaba de apenas 10 anos tocar piano é de puxar o lençol e chorar três dias sem parar de tanta emoção. Só quem assistiu no Fantástico a menina tocando sabe do que estou falando. Poucas vezes vi profissionais fazendo o que ela, uma criança, faz.

O Brasil inteiro se comoveu. A primeira reportagem com ela foi ao ar na semana passada. Em uma semana, centenas de pessoas entraram em contato com o programa para dar a ela um piano de presente. Sim, ela não tinha um piano! Ia para as aulas, mas por ser pobre, não tinha um piano em casa para treinar. Acabou ganhando um de Zezé di Camargo e Luciano, com direito a canja em show da dupla e muito aplauso.

E, mesmo sem perder a ternura infantil, falou como gente grande ao sair do palco: “Eu vou estudar muito nesse piano agora. Para as pessoas que me apoiaram e me elogiaram, eu digo muito obrigada. E se aparecer mais crianças talentosas, que essas pessoas possam ajudar mais ainda, porque não é tão fácil para as crianças que têm talento ganhar coisas assim. Tem muita gente que tem preconceito, porque a criança é pobre, não pode estudar. Mas tem que ir em frente, senão, não consegue”. Outro exemplo.

Quando você vê um bando de políticos nadando em corrupção, escondendo dinheiro em meia e cueca, fazendo oração agradecendo a Deus ironicamente pelo sucesso de sua covardia com o dinheiro público, acha que o Brasil não tem mais jeito.

Ainda bem que o Brasil é feito de tantas Raimundas e Crystais, de gente honesta e talentosa, escondida por aí. Dá para respirar fundo e pensar que esse país tem jeito sim. Somos feitos de gente batalhadora, inteligente, criativa e que não se abate com as dificuldades. Nem tendo uma classe política que enoja. Ainda bem que eles não são a maioria.